ZÉ MAYER NA SEÇÃO DE HORTI FRUTI
Houve um tempo em que os hérois televisivos nasciam em preto e branco.
Galãs e seus bigodinhos arrancavam suspiros das fãs mais ousadas para a época.
Tárcisio Meira (nosso Silvio Santos das oito) é um exemplo vivo, adorado até os dias atuais por seu público sexagenário.
Novelas em preto e branco denunciavam cabelos alisados a base de pente fino, e armado com um delicado toque de gel.
Há uma certa diferença em relação aos atuais, mas tenham certeza de que algumas coisas...ahhh..algumas coisas, jamais mudam.
Fã incondicional da seção de enlatados, examinava serenamente o fundo de uma lata de atum, quando os auto falantes anunciaram:"É só hoje...É só agora! Queima de preços na seção de Hortifruti !!!"
Sem conhecer o trajeto, segui o fluxo.
Uma confusão havia se formado e eu, único do sexo oposto por ali, me encontrava apavorado diante da cena Dantesca.
Consegui ver de longe os tomates, as rúculas, alfaces, e um brócolis que me dava um tchauzinho desesperado.
Todos disputadíssimos e à mercê do mulherio.
Era como tentar pegar autógrafo de alguma celebridade hollywoodiana; e por mais que tentasse atingir meu objetivo, a mulherada à minha frente dominava a situação.
Forasteiro e desconhecido daqule terreno inóspito, lugar jamais explorado por mim, fui me resignando e aceitando a idéia da espera sem fim.
Partícipe daquele alvoroço, aprendi ali a duras penas, uma lição pra vida toda!
Era o décimo segundo de uma fila que se formou a partir de um furacão.Não sei como, mas no meio do caos surgiu uma gota de organização.Deve ser o que chamam de caos
organizado.
À minha frente ia um par de senhoras, e bem animadinhas comentavam: Nossa, ele continua gato né? Aiiiii...
Suspirou a moça de uns trinta e sete.Calçava scarpins vermelhos, óculos em armação quadrada da mesma cor dos calçados; terninho combinando com a saia num tom vermelho escuro, que harmoniosamente se encaixava com a blusa de lã vinho, e grandes pérolas formavam indiscreto colar.
Com tanto vermelho, pensei estar diante de uma militante comunista, mas creio ser apenas advogada ou bancária.
Sua "cumpanhêra" aproveitou o suspiro da colega e mandou:É verdade né?! Ele é igual vinho.Quanto mais velho melhor!
Entre longos suspiros e intermináveis elogios, logo desconfiei ser algum astro do cinema ou político quarentão.
Foi quando ouvi a mulher de vermelho proclamar: O Zé Mayer é único...Ele é divino !!!
No que a outra completou:O Zé Mayer é o Zé Mayer!!!!
O teto do mercado havia acabado de cair sobre minha cabeça!
O Zé Mayerrrrrrr???!!! Berraram dentro de mim ide, ego e superego! Não acreditávamos naquilo.
A fila ia andando e a ladainha se repetindo...Zé Mayer é isso, Zé Mayer é aquilo...Zezinho pra lá, Mayerzinho pra cá...Confesso que tentei resistir até o último instante, mas a situação foi se tornando insustentável e, infelizmente, a língua criou asas e foi mais rápida que o cérebro:
-A televisão fabrica o galã que ela quiser! Até um dromedalho como protagonista da novela das oito se torna o queridinho do Brasil!
Pronto, havia acabado de lançar a semente da discórdia.
As duas de imediato me olharam, e após um calafrio macabro o silêncio se fez.
Tudo parecia estar em slow motion, câmera lenta.
Tomei consciência do crime que acabara de cometer, e não encontrava lugar para me esconder.
Vi em minha esquerda um senhor negro, num terno cinza bem elegante; imaginei ser um advogado - seria muito bem vindo naquele momento - e ele, com seus tristes olhos de jaboticaba me disse:"Filho, você assinou sua sentença!
É réu confesso, e acaba de praticar crime altamente qualificado e inafiançável ! "
Naquele silêncio condenatório, pude ouvir o motor de um dos freezers da seção de frios; e tudo continuava em câmera lenta.
Busquei ajuda à minha direita; vi uma mulher de cabelos despenteados, tingidos de cinza e dedos amarelados pela nicotina.Óculos ao peito pendurados por uma cordinha e sapatos pretos.Balançou a cabeça negativamente como se dissesse:-Pobre alma...Estarei orando por ti!
Diante do quadro fúnebre, percebi que acabara de me tornar o Rei dos adjetivos criminais, enquadrado numa série de artigos como executor de ações tipificadas e qualificadas em várias naturezas, como:
Art 1°- Proferir críticas sobre um patrimônio do entretenimento televisivo ( neste caso, o galã de novelas ), em perímetro sob jurisdição feminina.Neste caso, a seção de hortifruti.
Art 2°- Incorrer em ofensa moral ou difamar o ídolo; uma vez que este não se encontra no referido local para advogar em causa própria.
Art 3° - Inflamar o público feminino ao tecer comentários de natureza degradante; incitando o ao caos e a desordem generalizada.
Art 4° - Constitui crime de lesa pátria a qualquer munícipe do sexo masculino, ironizar galãs cinquentões e sexagenários.
E todos sob as penas que variam desde a proibição de utilização do referido local; chegando a máxima, onde o condenado será banido de vez do estabelecimento ao qual em seu interior, fôra cometido o crime.
E etc, etc, e etc...
-Você não gosta dele? Por quê? Indagou a pseudo comunista.
Se respondesse de forma negativa, elas iniciariam uma verdadeira cruzada, e no meio da guerra me expulsariam à base de ponta pés e tomatadas!
Engasguei e respondi que apenas apreciava seu trabalho.
No que a outra em estado avançado de cólera questionou:-Então você confirma que não gosta dele.É isso?
Ali, sentado no temido banco dos réus, vi a juíza bater por três vezes o martelo e ordenar silêncio no tribuinal.E completou:
- Consta dos autos do processo que o réu A.Duvier, críticou em local sagrado para as mulheres um semi deus da mitologia televisiva e, por este motivo, veio à júri!
-Consta dos autos minha culpabilidade e, a assumo de forma indubitável meretíssimo!
Ohhhhhhhhhh!!!! Exclamou o júri, admirado com minha frieza.
-Serei implacável em proferir sua sentença!
-Mas é só o Ze Mayer !!!
Outro largo e sonoro Ohhhhhhhhhhh !!!!!!!!
Vens à casa da justiça para profaná la? Como ousa macular o sacrossanto templo da verdade?
-A tv fabrica, e vocês consomem!
Senti que os indicadores do júri estavam apontados como espingardas para minha pobre nuca. Diziam: Estás condenado !!! Que passe a adquirir suas frutas verduras e legumes, do verdureiro ambulante de procedência obscura!
-Inapelável e inafiançável! Bradou a advogada de acusação; enfiada em sua jaqueta jeans e tênis adidas.Uma espécie de toga moderninha.
Segundo a mesma eu jazia no forno, assado e pronto para ser servido com arroz.
-Moça, é a sua vez! Alertou a voz por trás de mim.Tive vontade de agradecer minha apressada "advogada de defesa".
As duas à minha frente deveriam se decidir.Continuar o julgamento, ou colocar as verduras e legumes na sacola liberando a fila.
Optaram pelo hortifruti, e eu, feliz, pude desfrutar do local isento de culpabilidade.
Nunca foi tão difícil ir ao mercado.
E mesmo não sendo Daniel Dantas, o caso deu se por encerrado.
quarta-feira, julho 30, 2008
quarta-feira, julho 09, 2008
UMA VELHINHA DE CONGAS ME SEQUESTROU !
A sexta feira é realmente um dia místico; uma incógnita produzida pelo universo para alimentar nossa eterna curiosidade.
Bom, lá estava este que vos escreve, no ponto, oito e meia da noite, aguardando a perua ( calma, não se trata de nenhuma senhora da high consumidora de Luis Vuitton não), é minha lotada, e invariávelmente lotada, Van!
Curtia no habitual frio, minha solidão proletária -e classifico esta como uma das piores-quando fui subtamente impactado por uma visão:
Cabelos brancos formando um coque, óculos grandes e arredondados; um rostinho fechado que denotava um eterno mau humor.
Uma blusa branca de lã suicidava se saia adentro e, a saia preta e comprida, por sua vez, terminava o serviço em seus calcanhares.
Por cima da blusa ia um casaquinho marrom aveludado, típico dos que vivem pendurados nos tetos dos brechós, e dava o contraste necessário àquela figura.
Debaixo do braço direito colado as axilas, ia o que classifiquei de termômetro gigante, ou espada vingadora!
Confesso que jamais havia me deparado com aquele tamanho de sombrinha!
Uma bolsa azul de crochê com duas margaridas ao centro; e a inextinta meia calça bege quase completavam a visão.
Quase, porque algo em mim instintivamente alarmou:-Cuidado, ela vai te chamar de Apolônio!!!!!!!!
Foi quando dei por mim e disse:-Caramba, é a saudosa velha da Praça é Nossa!!!
Na esperança de escapar e não ser contemplado com este nome que todos já conhecem, abaixei os olhos afim de esquivar me, e foi neste momento que a visão se completou e ela subtamente me sequestrou!
Ao olhar pra baixo me deparei com aquele simpático e já extinto calçado, que tanto tivera seus dias de glória em meu passado; ela trazia um "Conguinha em seus pés!".
Eu e a misteriosa senhora fomos de imediato (jamais faria esta viagem sozinho) teletransportados para dentro do Túnel do Tempo.
Voamos e caímos em meados dos anos 80.
Desembarcamos na antiga escola Interventor Benedito Valadares.Agora, apenas Benedito Valadares, pois desinterventaram o Interventor.
Lá, vi a mim e meus amigos correndo pelo pátio da escola, desfrutando e exibindo com orgulho, nosso calçado da moda.
O Conga era a "Havainas" do pequenino cidadão colegial.E as Havainas na época, era calçado só de pobre!
O calçado utilizava um material que não sei definir entre pano comum ou lona, e possuía um design lateral que terminava num bico saliente de borracha.
A velhinha continuava sua missão de coadjuvante, e ao meu lado, observava tudo.
Vi meus amigos correndo e colocando à prova aquela arma dos pés!
Tínhamos pés de atleta.
Senti saudade quando a professora gritou:- Vai cair menino! Olha o sapato desamarrado!!!
Ora, não era sapato.Era um CONGA!!!
Mas eu a perdoei, pois no desespero, quem se lembraria de substantivos e regras gramaticais?
E a velhinha lá, incólume!
Vi o Rodrigo, mestre na arte de fazer arte; era vítima constante de lesões nos pés.
Ao crer que aquele calçado o livraria de suas traquinagens pecaminosas, pulou da escada que dava acesso ao pátio -denominava se o Homem Aranha- e ao cair, quebrou mais uma vez o pé direito.
E eu, qual a um desenho animado, levantei a plaquinha:-"Já sabia!"
O Conga para nós era mais que o Bozo ou o He Man, pois era real e nos concedia um poder místico; uma forma de nos fazer acreditar que dominaríamos o mundo!
Teria Napoleão, Hitler e outros, sofrido de um "efeito Conga às avessas?"
O objeto que tanto nos unia, seria capaz de promover a paz entre Xiitas e Sunitas, Tibetanos e Chineses, a Palestina e Israel, e tantos outros em eterna discórdia?
Num suposto encontro na Casa Branca com o presidente norte americano, poderíamos ofertar lhe um par de Congas, como afirmação da necessidade de paz no mundo?
A verdade é que nunca saberemos o que de fato contribuiu para o desaparecimento do nosso calçado esperança.
Ele pode ter sido vítima da ação do tempo, como acontece às velhas casas e suas ruínas, como também pode ter sido alvo de uma estratégia militar americana (já que possuía poder de pacificação) e encontra se guardado sob oito chaves, em alguma área 51 na terra do Tio Sam.
Vai saber!
-Vai pra Pinheiros?
Assustado, ergui os olhos sem medo, e notei que era questionado sobre o itinerário que vinha estampado no pára brisa da perua.
Agradecido pelo passeio, respondi a ela sem hesitar:-É sim! Vai pra Pinheiros.
E lá se foi minha cúmplice, levando consigo parte de meu passado em seus pés misteriosos.Espero que não tenha chulé!
Foram os oito segundos mais longos que já vivi!
A sexta feira é realmente um dia místico; uma incógnita produzida pelo universo para alimentar nossa eterna curiosidade.
Bom, lá estava este que vos escreve, no ponto, oito e meia da noite, aguardando a perua ( calma, não se trata de nenhuma senhora da high consumidora de Luis Vuitton não), é minha lotada, e invariávelmente lotada, Van!
Curtia no habitual frio, minha solidão proletária -e classifico esta como uma das piores-quando fui subtamente impactado por uma visão:
Cabelos brancos formando um coque, óculos grandes e arredondados; um rostinho fechado que denotava um eterno mau humor.
Uma blusa branca de lã suicidava se saia adentro e, a saia preta e comprida, por sua vez, terminava o serviço em seus calcanhares.
Por cima da blusa ia um casaquinho marrom aveludado, típico dos que vivem pendurados nos tetos dos brechós, e dava o contraste necessário àquela figura.
Debaixo do braço direito colado as axilas, ia o que classifiquei de termômetro gigante, ou espada vingadora!
Confesso que jamais havia me deparado com aquele tamanho de sombrinha!
Uma bolsa azul de crochê com duas margaridas ao centro; e a inextinta meia calça bege quase completavam a visão.
Quase, porque algo em mim instintivamente alarmou:-Cuidado, ela vai te chamar de Apolônio!!!!!!!!
Foi quando dei por mim e disse:-Caramba, é a saudosa velha da Praça é Nossa!!!
Na esperança de escapar e não ser contemplado com este nome que todos já conhecem, abaixei os olhos afim de esquivar me, e foi neste momento que a visão se completou e ela subtamente me sequestrou!
Ao olhar pra baixo me deparei com aquele simpático e já extinto calçado, que tanto tivera seus dias de glória em meu passado; ela trazia um "Conguinha em seus pés!".
Eu e a misteriosa senhora fomos de imediato (jamais faria esta viagem sozinho) teletransportados para dentro do Túnel do Tempo.
Voamos e caímos em meados dos anos 80.
Desembarcamos na antiga escola Interventor Benedito Valadares.Agora, apenas Benedito Valadares, pois desinterventaram o Interventor.
Lá, vi a mim e meus amigos correndo pelo pátio da escola, desfrutando e exibindo com orgulho, nosso calçado da moda.
O Conga era a "Havainas" do pequenino cidadão colegial.E as Havainas na época, era calçado só de pobre!
O calçado utilizava um material que não sei definir entre pano comum ou lona, e possuía um design lateral que terminava num bico saliente de borracha.
A velhinha continuava sua missão de coadjuvante, e ao meu lado, observava tudo.
Vi meus amigos correndo e colocando à prova aquela arma dos pés!
Tínhamos pés de atleta.
Senti saudade quando a professora gritou:- Vai cair menino! Olha o sapato desamarrado!!!
Ora, não era sapato.Era um CONGA!!!
Mas eu a perdoei, pois no desespero, quem se lembraria de substantivos e regras gramaticais?
E a velhinha lá, incólume!
Vi o Rodrigo, mestre na arte de fazer arte; era vítima constante de lesões nos pés.
Ao crer que aquele calçado o livraria de suas traquinagens pecaminosas, pulou da escada que dava acesso ao pátio -denominava se o Homem Aranha- e ao cair, quebrou mais uma vez o pé direito.
E eu, qual a um desenho animado, levantei a plaquinha:-"Já sabia!"
O Conga para nós era mais que o Bozo ou o He Man, pois era real e nos concedia um poder místico; uma forma de nos fazer acreditar que dominaríamos o mundo!
Teria Napoleão, Hitler e outros, sofrido de um "efeito Conga às avessas?"
O objeto que tanto nos unia, seria capaz de promover a paz entre Xiitas e Sunitas, Tibetanos e Chineses, a Palestina e Israel, e tantos outros em eterna discórdia?
Num suposto encontro na Casa Branca com o presidente norte americano, poderíamos ofertar lhe um par de Congas, como afirmação da necessidade de paz no mundo?
A verdade é que nunca saberemos o que de fato contribuiu para o desaparecimento do nosso calçado esperança.
Ele pode ter sido vítima da ação do tempo, como acontece às velhas casas e suas ruínas, como também pode ter sido alvo de uma estratégia militar americana (já que possuía poder de pacificação) e encontra se guardado sob oito chaves, em alguma área 51 na terra do Tio Sam.
Vai saber!
-Vai pra Pinheiros?
Assustado, ergui os olhos sem medo, e notei que era questionado sobre o itinerário que vinha estampado no pára brisa da perua.
Agradecido pelo passeio, respondi a ela sem hesitar:-É sim! Vai pra Pinheiros.
E lá se foi minha cúmplice, levando consigo parte de meu passado em seus pés misteriosos.Espero que não tenha chulé!
Foram os oito segundos mais longos que já vivi!
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