terça-feira, janeiro 12, 2010

A MACACA E O PSIQUIATRA

Quem não conhece a história de Capitu?
Ela, que trocou o parceiro pelo amante, é personagem central do zoológico de Brasília e até parece saída das histórias de Macaco de Assis, digo, Machado de Assis.
Se você não viu, ótimo, pois não desperdiçou seu tempo com esse problema passional do mundo animal, comentado incessantemente pelas matérias jornalísticas de quase todos os canais televisivos nos últimos dias. Seria falta de criatividade, ou os jornalistas deram uma banana para as questões sociais?!

Apesar dela não ser um bovino, a chifrada foi inevitável. Porém, o que ninguém esperava aconteceu: amante e ex-cônjuge caíram do galho. Faleceram! Vieram a óbito.
A viúva negra - marrom, para ser mais exato - continuou sua busca pelo homem, perdão, pelo símio perfeito, e agora, analistas econômicos e jurídicos do zoo acreditam que esteja prenha do genro, não o Tarso, mas certo elemento inserido na jaula para dar conta de suas filhas.
Neste ponto, transformou-se em personagem do Nelson Rodrigues. É um ser complexo. Caso para Freud.

Imaginemos tal primata na busca pelo conhecimento interior através da autoanálise.
Ao visitar o divã, teríamos um intrigante diálogo entre o psicanalista e a macaca:

- Doutor, desconheço o motivo pelo qual meu apetite sexual é tão voraz! Até meu futuro ex-genro não perdoei.
O pobre fora colocado naquele espaço para acasalar com minhas filhas, e olha no que deu: desconfio que estou grávida!

- Prenha, você quis dizer! Avisou o analista preocupado em garantir a distância entre as espécies, mas no fundo, admitindo tamanha semelhança.

- Sabe, ando sofrendo com essa igualdade entre os dois mundos. Lá no zoológico fui considerada obra machadiana, e até gostava de ser chamada de Capitu, confesso. Havia algo de intelectual no apelido. Mas, após o incidente passei a habitar os livros do Nelson Rodrigues. Isto me confundiu mais ainda.

- Quer uma banana? Questionou o homem, preocupado em abrandar o sofrimento da depoente.

- Não, obrigada. Mas se tiver scotch 1969, aceitarei uma dose.

- Como terminou seu relacionamento com o primeiro amor?

- Dei uma banana pra ele!

- O quê?

- Nanica, para demonstrar minha insatisfação sexual.
Em nosso meio, quem é vítima de tal gesto, entra em depressão até definhar. Por isso ele faleceu. E continuou...

Sabe, meu primeiro amor ensinou-me tudo, mas foi com o segundo que aprendi a olhar a vida de outra forma, com outros olhos e sem precisar de um oftalmo!
As vizinhas condenam-me dizendo que é absurdo preferir as loucuras e os prazeres mundanos ao espírito do amor eterno.
Mas eu, feminista convicta, defendo-me atacando a diversidade conjugal dos nossos machos.
Imunes aos preconceitos pulam de galho em galho, enquanto somos condenadas e tratadas como escória da humanidade!

- Da humanidade? O assustado homem quase pula da cadeira. Ela, serena, corrige o erro lamentando não ser um homo-sapiens.

- Ah, desculpe-me. É que em certos momentos faço confusão. A crise existencial é comum a alguém que se encontra nessa situação. Outro dia, ergui um cacho de bananas questionando: - Trair, ou não trair? Eis a questão!

- Deve lembrar-se de que é uma primata, e usar o espartilho da vida humana pode apertar-lhe o ego, e isto a deixará sem ar para viver. Monogamia é incomum no reino animal e... Ela o interrompe.

- Com todo respeito, o profissional a minha frente está desabilitado a discorrer sobre esse tema. Sua inteligente sociedade monógama é a única que pratica tais atos conscientemente. Traem raciocinando! E em muitos casos, raciocinam depois da macacada já feita.

Sem ação, dr. Simão observava a astúcia daquela criatura peluda, inimiga das depilações e dos absorventes especiais para se usar com shortinhos cavados.

E continuou...

- Depois que Darwin aproximou nossos mundos, ficou ainda mais evidente o quanto somos parecidos. Está lá, na teoria evolucionista. Já leu?

- Não! Responde meio sem jeito.

- Nossa! Como concluiu seu curso de graduação?
Já sei. Tornou-se psiquiatra porque queria agradar o pai. Provavelmente também estaria na medicina ou magistrando em algum tribunal por aí, como tantos outros sem opção. Hábito comum nas aristocracias das cidades pequenas e de médio porte.

- Queria ser músico, mas seria queimado na fogueira da inquisição paternal! Confessou de forma surpreendente.

- Então, no fundo sabe o quanto sofro naquele zoológico. Minhas colegas de jaula até aceitam que eu seja dona Flor, mas culpam-me pelo desinteresse do meu ex-genro sobre minhas filhas. Mesmo assim, isentei-me de culpa. Tenho a consciência tranquila.

- A culpabilidade é incabível à senhora. Tens em mim, a partir de agora, um crédulo defensor!

- Sinto-me aliviada, afinal, sou uma macaca. Aplicam-se a mim as leis da natureza, não o seu código penal!
Seria burrice se minha espécie tivesse como parâmetro sua legislação e política.

- Ok. Acho que isto é tudo. Esta consulta me deprimiu. Fiquei confuso.
Prefiro ter pacientes com os mais variados perfis a vocês macacos.
Vocês são como árvores, mas ao invés de galhos, possuem um sem número de egos.
Mesmo assim, obrigado por vir ao consultório.

- Disponha. É melhor ir andando, pois o funcionário do zoológico já está impaciente lá fora.

- Tudo bem. Até mais.

- Ah, doutor... Está esquecendo o cachimbo!

Ele sai sem bater a porta.

2 comentários:

Alê Periard disse...

Perfeito!

Uma cena de teatro maravilhosa!

Quero fazer!!!

Vc me autoriza?

Unknown disse...

Não sirvo pra essa macaca e nem pra psiquiatra, sou paciente. Pacientemente esperando meu cérebro entender o texto! hahahahaha